13 de junho de 2015

O Fala Escritor de junho não deu certo


Eu não ia falar, fiquei entalado, engasgado, com receio de causar algum tipo de estranhamento, mas hoje, 13 de junho de 2015, aconteceu tudo o que não poderia ter acontecido num grupo de poetas, que se juntam a cada mês, em nome da poesia, da unidade, da família...

Atrasos são normais em qualquer tipo de acontecimento, imprevistos também, mas nada justifica o fato de, apesar de alguns contratempos, o projeto se encontrou na sua essência. Parece que o universo conspirava contra. Mas, ao invés de desandar, uma sinergia que veio de Sussuarana, Bairro da Paz, Liberdade, Beiru, Nazaré, Matatu de Brotas, Pernambués e de tantos outros cantos e recantos dessa cidade, se uniram para fazer do Fala Escritor de Junho, um dos melhores e mais mágicos momentos que somente a afetividade poderia proporcionar.

Aqui, em nome da equipe de coordenação do Projeto Fala Escritor, fica o meu hipotecado agradecimento a Cha Rize, a Yaô e ao percussionista Mário, por fazer nosso forró com tanta lindeza. Eita trio bão, sô!

E não poderia falar de família, sem citar o lindo Sarau da Onça, o lindão Grupo Ágape, os meninos Indemar Nascimento, o galã Renildo Santos e tantos e tantas poetas e poetisas que prestigiaram nosso encontro desse mês. Vale registrar o depoimento, ao vivo, de Renildo, afirmando que “sou aluno do Sarau da Onça. Eu não sabia que existia um lugar para negro, que poesia e música também podiam ser feitos por negro. No Sarau da Onça aprendi que temos um lugar. Eu pensava que isso só existia na televisão (leia-se: na teledramaturgia, nas encenações treatralizadas não reais, não verdadeiras)... com o Sarau da Onça eu descobri que é possível”... Gente, isso é de fazer chorar, é de emocionar até o mais cicatrizado coração. Negar que o Sarau da Onça e o Grupo Ágape têm um papel fundamental no resgate da autoestima de negros e negras da periferia, da favela, é como negar a existência de Deus, e é mais que um crime, é um sacrilégio.

O papel que este coletivo tem realizado na cidade do Salvador é de tamanha importância que já deveria estar sendo replicado, em grande escala, em todas as perifas, em todas as quebradas, becos, vielas, escadarias, guetos, pois é com arte (no mais amplo e sagrado sentido que esta palavra tem), e com afeto, com carinho e coração, que se conquista esses jovens, adultos, pessoas que já não vislumbravam, nem sequer imaginavam que pudesse existir horizonte. E o Sarau da Onça, não mostra um horizonte, traz o horizonte e coloca na alma das pessoas, estimula, faz acreditar e arregimenta para a luta, nas caminhadas contra o extermínio/genocídio de negros, traz para perto, para que cada candidato a uma bala perdida possa pisar firme no chão (apesar, ainda, da fome, do desemprego, da falta de saúde pública, educação, segurança etc), e caminhar, juntos, formando um batalhão de guerreiros da poesia, da música, do grafite.

Por isso o Fala Escritor de hoje não deu certo. Não deu certo para quem mantém a cidade sitiada, para quem mantém a riqueza nas mãos de uns poucos “herdeiros” do patrimônio nacional; não deu certo para o projeto de apartheid que se constrói há anos nesse país. E não vai dar certo, nunca, pois o Fala Escritor é o que o nome do projeto diz, FALA, dá a voz, põe o microfone na boca de quem quer e precisa dizer, falar, denunciar, através da leitura ou da declamação, da música, botar a boca no trombone e dizer que o que queremos é tudo pra nós, e nada pra eles.

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